quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O maior experimento de todos os tempos...

Fonte: Info Exame

Os rastros digitais deixados por você e por todos que você conhece estão transformando nossa compreensão do comportamento humano.
A cada movimento que você faz, toda vez que você atualiza o Twitter, alguém o está observando. Você pode até não parar para pensar sobre o assunto, mas se você usa regularmente alguma rede social, um celular ou a internet, está deixando um rastro digital claro que descreve seu comportamento, padrões de viagens, as coisas de que você gosta e não gosta, divulga quem são seus amigos e revela o seu humor e suas opiniões. Em resumo, você diz ao mundo muito sobre si mesmo.
Como qualquer pesquisador pode lhe dizer, dados de boa qualidade valem ouro. Sem eles, as teorias ficam no campo da especulação, e pior, dados ruins podem levar a becos sem saída. A física foi a primeira ciência a ser transformada pela informação precisa, começando com os telescópios que revelaram o céu e culminando em experimentos gigantescos modernos, como o Large Hadron Collider do CERN, perto de Genebra, na Suíça. A biologia veio logo a seguir, com o sequenciamento do genoma gerando um volume tão grande de descobertas que a genética acabou se tornando parcialmente uma ciência da informação.
Agora o estudo do comportamento humano está seguindo o mesmo caminho. Os cientistas sociais tiveram por muito tempo de confiar em questionários rudimentares ou entrevistas para coletar dados a fi m de testar suas teorias. Métodos maculados por vieses e amostragens limitadas. Durante décadas, o campo tem sido menosprezado por alguns como um primo pobre das ciências tradicionais. A era digital está mudando tudo isso. Praticamente do dia para a noite, o estudo do comportamento humano e das interações sociais tem mudado, de um cenário em que não se tinha praticamente nenhum dado consistente para outro em que nos afogamos neles. Como resultado, surge uma abordagem completamente diferente para as ciências sociais, e estudos baseados nela são cada vez mais frequentes. O impacto é notável.
"A revolução dos dados chegou às ciências sociais", diz Albert-László Barabási, da Universidade Northeastern, em Boston. "Pela primeira vez, os cientistas têm a oportunidade de estudar o que os seres humanos fazem em tempo real e de forma objetiva. Isso vai mudar fundamentalmente todos os campos da ciência que lidam com seres humanos." Está se tornando possível abordar problemas fundamentais que as gerações anteriores acreditavam ser intocáveis. Tal como acontece com todas as outras ciências ricas em dados, Barabási e companhia finalmente esperam descobrir leis matemáticas que descrevem o comportamento humano, e que poderiam ser usadas para prever o que as pessoas vão fazer.

Os sociólogos vêm perseguindo essas leis sobre as interações humanas e as redes sociais há décadas, diz Duncan Watts, da Yahoo Research, em Nova York, "mas as implicações de longo alcance de suas teorias eram efetivamente impossíveis de testar. A tecnologia de medição simplesmente não existia". Isso está mudando. Watts foi um dos primeiros a perceber o potencial dos rastros digitais que deixamos. Em 2006, com seu colega Matthew Salganik, agora na Universidade de Princeton, ele projetou uma experiência baseada na web para verificar o quanto a influência social determina a popularidade de uma canção. Quando uma nova canção sobe direto para o primeiro lugar, é difícil saber se o sucesso veio do apelo inicial da própria música ou do "comportamento de manada" de muitas pessoas comprando o que elas acreditam já ser popular. A indústria fonográfica tem pouco sucesso em prever quais músicas se sairão bem ou não, e sugere que o acaso pode ter nisso um papel fundamental.
Para analisar o que faz algumas músicas terem mais sucesso do que outras, Watts e Salganik criaram um projeto chamado Music Lab. Era um site no qual mais de 14 000 pessoas ouviam, à sua escolha, 48 canções de bandas desconhecidas, avaliavam e baixavam a faixa, se quisessem. Essas opções funcionavam como medidas de qualidade (a nota dada) e a popularidade (o número de downloads). Mais importante, a dupla também era capaz de controlar se os ouvintes podiam ver quantas vezes outras pessoas haviam baixado a música em questão, ou se tinham de confiar exclusivamente em seu próprio julgamento. Dessa forma, eles poderiam efetivamente comparar os resultados com o poder de influência social "ligado" ou "desligado". Eles também agruparam os participantes influenciados socialmente em oito "mundos" independentes para poder explorar o modo como os resultados mudariam se a fita da vida pudesse ser rebobinada e tocada novamente.
Os resultados apoiaram fortemente a ideia de que a influência humana tem um efeito enorme em tornar algumas canções mais populares do que outras. Esse fator também torna muito mais difícil prever o que vai acontecer e quais músicas se sairão bem. Os mundos em que a influência social operava mostraram desigualdades muito maiores, com as músicas populares subindo ainda mais e as canções impopulares descendo a um nível ainda menor do que nos mundos sem influência social. Com a influência social ligada, a popularidade das canções variava descontroladamente de um mundo para o outro. Assim, gostemos ou não, parece que muitos de nós seguimos o rebanho.
Watts e Salganik concluíram que os peritos não conseguem prever o sucesso, não porque são incompetentes ou mal informados, mas porque as influências sociais multiplicam o efeito do acaso. Fatores acidentais levam a canção ao topo da tabela tanto quanto a verdadeira qualidade. Mas a qualidade de fato conta, Salganik ressalta. As músicas classificadas como melhores raramente se saíam mal, e as piores raramenÁreas

te se saíam bem, mas qualquer outro resultado era possível. Esse tipo de experimento está tornando rotineiros estudos experimentais que eram considerados impossíveis, diz Salganik. "Com o grande aumento no poder computacional e o número praticamente ilimitado de participantes disponível na internet, podemos realizar experimentos em estilo de laboratório com milhares, até milhões, de participantes", diz ele.
De fato, Jukka-Pekka Onnela e Felix Reed-Tsochas, da Saïd Business School, na Universidade de Oxford, estão usando o Facebook e seus mais de 400 milhões de usuários como um laboratório vivo para estudar como as ideias e os comportamentos se propagam entre os grupos humanos. Watts e Salganik mostraram que, quando se trata de preferência musical, nos comportamos como ovelhas. Onnela e Reed-Tsochas perceberam que mudanças similares ocorrem no Facebook. Usuários do Facebook podem optar por instalar os aplicativos — componentes de software que personalizam sua página na rede social. Se alguém adota um aplicativo, seus amigos são automaticamente notificados, e eles também podem ver os aplicativos que os amigos estão usando. Os usuários do Facebook também têm acesso a uma lista de aplicativos populares, semelhante a uma lista de best-sellers.
Até aí, nada de novo — as livrarias fazem o mesmo. Mas há uma grande diferença: os dados armazenados no Facebook tornam possível analisar o crescimento da popularidade de aplicativos em detalhes sem precedentes. Onnela e Reed-Tsochas analisaram a popularidade de milhares de aplicativos em 2007, e em seguida estudaram como outros usuários as adotavam ao longo do tempo. Eles tentavam descobrir se a sequência de adoção de cada aplicativo seguia um padrão aleatório — indicando que cada evento "adoção" era independente das outras adoções anteriores — ou se adoções anteriores por amigos do participante influenciavam a probabilidade de sua adoção de um aplicativo.

Os resultados mostraram que tanto a independência de pensamento quanto o comportamento de copiador desempenham um papel, reforçando conclusões obtidas pelos métodos convencionais de pesquisa. O estudo também indicou que há dois processos muito diferentes em ação. Quando um novo aplicativo aparece, ele é adotado pelos usuários independentemente da opinião dos amigos. Mas se a popularidade do aplicativo ultrapassa determinado limite, sua popularidade passa a levar muitas pessoas a adotá-lo, e seu crescimento pode se tornar explosivo. A conclusão é a mesma de Watts e Salganik com o Music Lab. "Encontramos regimes muito diferentes em que o comportamento individual ou coletivo domina. A mudança de um para o outro é um claro processo de ligar e desligar", diz Reed-Tsochas. Eles não sabem ainda se pontos de ruptura desse tipo podem influenciar os processos do mundo real para além da web, tais como mudanças na opinião política ou a popularidade dos livros. "É certamente possível", diz Reed-Tsochas, "mas temos de obter dados igualmente bons nessas áreas para descobrir."
Alguns afirmam que os dados brutos para análise do comportamento do mundo real já estão nas pulsantes redes sociais, e ainda demonstram como eles podem ser usados para prever resultados sociais.
Por exemplo, uma das técnicas mais populares para prever qualquer coisa, desde o resultado das eleições presidenciais até o sucesso de novos filmes, é usar mercados artificiais. O Hollywood Stock Exchange (www.hsx.com) permite que os fãs de cinema comprem e vendam ações virtuais de celebridades e filmes recém-lançados ou em vias de estrear. Esse mercado virtual, que opera com uma moeda chamada dólares de Hollywood, incorpora as opiniões de milhões de pessoas numa avaliação coletiva de cada filme, refletindo a visão geral da sua popularidade, ou provável popularidade. "Essa é atualmente a referência da indústria para prever os prováveis resultados de um filme", diz Bernardo Huberman, dos Hewlett- Packard Laboratories, em Palo Alto, Califórnia. Huberman e seu colega Sitarum Asur se perguntaram se seria possível fazer ainda melhor, explorando o volume de opiniões expressas em mídias sociais como o Facebook e o Twitter. "O que é discutido nesses ambientes muitas vezes define tendências", afirma Huberman. Na tentativa de garimpar opiniões, eles estudaram as conversas no Twitter. Partiram da suposição de que os filmes dos quais se falava muito deviam acabar se tornando mais populares. Para medir o barulho em torno de cada filme, olharam para a taxa de tweets gerados a seu respeito logo após o lançamento.

Os resultados mostraram que a taxa de tuítes que cada filme gerou podia fornecer previsões precisas da receita de bilheteria, mais precisas até que o Hollywood Stock Exchange. No final, prever o sucesso de cada filme pode ser de interesse apenas das companhias de cinema e investidores. Mas Asur e Huberman acham que isso é apenas o começo e que sua técnica deve ser capaz de prever resultados sociais de vários tipos. Huberman diz que tais análises poderão em breve ajudar a prever muitos outros eventos, tais como os resultados das eleições, ou avaliar a reação do público aos grandes eventos. "O Twitter e textos online em geral influíram na eleição de Barack Obama, e algumas empresas já estão analisando esse tipo de dados para avaliar o provável sucesso de seus produtos", afirma Huberman.
O oceano de informação digital não se limita às opiniões. Barabási e seus colegas da Northeastern University usaram dados de celulares para analisar a movimentação humana — como nos movemos durante horas, dias, semanas e meses a pé, de carro e de transporte público. Os dados detalhados sobre a escala em que estão disponíveis agora nunca existiram antes de os celulares se tornarem comuns. Hoje, milhões de pessoas carregam consigo durante todo o dia um dispositivo de rastreamento de fato, que registra automaticamente todos os seus movimentos.
O conjunto de dados usado pela equipe cobriu os movimentos de cerca de 50 000 pessoas durante mais de três meses. Surpreendentemente, a equipe descobriu que, apesar de nossas inúmeras diferenças individuais e diversas rotinas diárias, as estatísticas globais dos nossos movimentos seguem um padrão matemático — e somos muito mais previsíveis do que você imagina. Mais do que isso, eles descobriram que a análise dos dados anteriores sobre os movimentos pode ser usada para prever onde um indivíduo vai estar — dentro de 1 quilômetro de distância de uma torre de celular — com precisão de mais de 90%. "Encontramos o mesmo nível de previsibilidade para todos os usuários", diz Barabási. Isso talvez não seja surpreendente, já que a maioria de nossos movimentos são rotineiros, indo de casa para o trabalho e de volta. No entanto, essa capacidade de prever a localização vale mesmo para quem se desloca fora da típica rotina casa-trabalho-casa.
Barabási e seus colegas descobriram que as pessoas normalmente fazem vários percursos curtos, mas, às vezes, seguem longos trajetos que as levam para territórios bem diferentes. Os detalhes precisos das estatísticas desses movimentos seguem um padrão matemático — conhecido como voo de Levy — que está intimamente ligado às formas como animais, a exemplo de veados, abelhas e pássaros, buscam alimento. Em termos matemáticos, nossos movimentos são parecidos com os desses outros animais. Portanto, não somos tão especiais, pelo menos nesse aspecto.

É a descoberta desses padrões que tem animado muitos cientistas. Dada a inegável complexidade dos seres humanos, não é provável que a ciência social se torne como a física, baseada em leis eternas e gerais. Mas o acesso a dados sobre os acontecimentos humanos torna possível identificar os padrões existentes e pode ser útil para desmistificar o mundo social.
No entanto, como acontece com alguns desenvolvimentos na física e na biologia, a explosão de dados sociais também traz novos riscos, diz Barabási. "Quem está envolvido nesse tipo de pesquisa cada vez mais enfrenta um dilema: como podemos evitar contribuir para a criação de um estado de vigilância?"
Essas preocupações são, talvez, um outro sinal de que a ciência social está atingindo a maturidade. Assim como a descoberta da fissão nuclear gerou dilemas morais para os físicos, e a modificação genética está fazendo o mesmo agora para os biólogos, a capacidade de prever o comportamento humano apresenta novos dilemas para os cientistas sociais. Como sempre, com grande poder vêm grandes responsabilidades.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

BlogBlogs.Com.Br