Fonte: G1 Tecnologia
Objetivo é criar uma moeda 'sem fronteiras', e sem banco central.
O “bit” no nome Bitcoin não tem apenas relação com o fato de a moeda ser “virtual” – afinal, em uma época com tantos cartões de crédito e mais números em contas bancárias do que papel, a “virtualidade” do dinheiro não poderia ser um privilégio do Bitcoin. O “bit” vem do “BitTorrent”, uma rede ponto a ponto (P2P), sem um ponto central, em que essencialmente cada internauta participante tem o mesmo valor e é anônimo. O Bitcoin não tem uma central de gerenciamento, diferente das moedas como o real, que é gerenciada pelo Banco Central. Para garantir a segurança, o Bitcoin utiliza um complexo esquema matemático de criptografia.
Se você tem alguma dúvida sobre segurança da informação (antivírus, invasões, cibercrime, roubo de dados, etc), vá até o fim da reportagem e utilize a seção de comentários. A coluna responde perguntas deixadas por leitores todas as quartas-feiras.
O G1 conversou com Amir Taaki e Donald Norman daBitcoin Consultancy, uma organização destinada a promover o uso de Bitcoin fora dos círculos de especialistas em tecnologia. Eles contam que moedas do Bitcoin, abreviadas como “BTC”, já podem ser compradas e trocadas em algumas organizações de câmbio. Para isso, há sites que avaliam o mercado das Bitcoins – que está atualmente instável devido ao inconstante fluxo de participantes.
O ideal é que pessoas ofereçam serviços e produtos legítimos e aceitem Bitcoins como pagamento, para depois trocar pela moeda padrão do seu país ou comprar outros serviços e produtos com o Bitcoin, criando essencialmente uma economia de Bitcoins.
A rede do Bitcoin possui um banco de dados que se expande em blocos, gerados, em média, a cada dez minutos. Esse bloco de dados contêm todas as transações realizadas, ou seja, embora os participantes da rede do Bitcoin sejam anônimos, todas as trocas de moedas ficam abertas. É uma medida de segurança necessária para que as moedas do Bitcoin não sejam gastas duas vezes. Os blocos podem ser vistos no site Block Explorer, onde pode ser visto o “caminho” das moedas BTC, que fica registrado nesse banco de dados.
Cada bloco gerado depende de uma complexa fórmula matemática criptográfica realizada com base no bloco anterior. Com isso, os blocos formam uma corrente e ninguém pode corromper o banco de dados, já que é possível verificar se um bloco é legítimo ou não com base nos demais, até chegar ao primeiro bloco (chamado de “bloco da gênesis”). Com isso, uma pessoa não pode gerar transações ou moedas falsas.
Os participantes da rede do Bitcoin que fazem essas complexas contas matemáticas para verificar as negociações são recompensados com novas moedas BTC, de certa forma sendo “pagos” por um “trabalho”. Por volta de 2030, porém, a criação de novas moedas será praticamente nula e pode ser preciso pagar alguma “taxa” por cada negociação feita no Bitcoin, para dar incentivo a esses membros da rede que deixarão seus computadores ligados o tempo todo para resolver essas fórmulas – isso se não houver outros incentivos para manter rede funcionando sem taxas.
Ou seja, embora as partes envolvidas em uma troca de Bitcoins possam ser anônimas, a negociação em si e seu valor precisam ser registradas.
O Bitcoin tem sido divulgado como uma maneira de “gerar” dinheiro em P2P, mas isso, segundo os especialistas, não é o principal. Isso porque “gerar dinheiro”, que necessita da verificação das negociações feitas em BTC, está se tornando uma atividade tão intensa que computadores domésticos comuns já não são rápidos o suficiente. “Tem gente colocando as placas dentro de gelo [para poder fazê-las rodar mais rápido]”, informa Taaki. Mesmo assim, a quantia gerada é pequena e só tende a cair.
“Algumas pessoas estão calculando o valor do Bitcoin pelo custo da eletricidade de geração de uma moeda”, diz Norman, “mas isso não é apropriado, porque quem não verificar as negociações [usando pouca energia] não será recompensado”.
O Bitcoin ganhou notoriedade por estar sendo usado em um mercado negro chamado Silk Road, onde participantes podem comprar qualquer droga e até sementes anonimamente. Mas isso, segundo Amir Taaki, um desenvolvedor do Bitcoin que conversou com o G1, não é o real objetivo da moeda. “Seria uma pena se o Bitcoin fosse considerado ilegal ou atacado por causa de concepções sem fundamento”.
Taaki liga o Bitcoin a tecnologias como o PGP, usado na codificação de e-mails, as redes P2P e, recentemente, ao Wikileaks. “Tecnologias subversivas são sempre atacadas de alguma forma. Agora, estamos vendo o mesmo os ataques ao Bitcoin nos últimos dias, dizendo que é só usado para comprar drogas. Não estão expandindo a discussão para os aspectos positivos do Bitcoin para a mudança social”.
O programador conta a história de um amigo que mora no Irã e que contribui muito para o desenvolvimento de software livre e que, apesar disso, não pode participar na economia global. “Ele está sendo restringido por uma lei injusta feita por um político para atacar outro político”, desabafa.
Como o Bitcoin é descentralizado, no entanto, ataques à moeda pelo governo são complicados. Mesmo que ela seja proibida em um país ou outro, ela pode continuar funcionando e fica difícil proibir alguém de oferecer ou receber a moeda. “Poderia ser proibido, mas seria como a lei seca de 1930 [que proibiu a venda de álcool nos EUA]. A atividade criminal vai aumentar. A regulamentação é a melhor forma de conseguir os ganhos sociais e lutar contra quem usar o Bitcoin para fins ilícitos”, argumenta Donald Norman, um dos fundadores da Bitcoin Consultancy, que busca advogar em favor do Bitcoin, profissionalizá-lo e possibilitar seu uso por empresas.
“Acredito que o Bitcoin vai fazer com a moeda corrente a mesma coisa que o BitTorrent fez com os direitos autorais”, opina Taaki.
O primeiro bloco que dá origem ao banco de dados do Bitcoin referencia, de forma codificada, um artigo de primeira página publicado em 3 de janeiro de 2009 no jornal inglês The Times. O bloco tem a mesma data do texto, que comenta as atitudes do governo britânico para salvar as instituições financeiras da crise que começou em 2008. O bloco foi gerado pelo programador que criou o Bitcoin. Ele usava o nome de “Satoshi Nakamoto”. Nakamoto desapareceu da comunidade do Bitcoin, deixando o protocolo e os programas para serem desenvolvidos por outros programadores.
Como o Bitcoin registra globalmente todas as negociações – como já foi dito, uma necessidade para garantir que uma mesma moeda não seja usada duas vezes – é possível saber que as BTCs geradas no bloco gênesis, que pertenceria à Nakamoto, até hoje nunca foram gastas.
Enquanto ainda participava do Bitcoin, Nakamoto teria dito que “não vamos achar uma solução para problemas políticos na criptografia, mas podemos vencer uma importante batalha nessa briga e ganhar novos territórios para a liberdade por vários anos”.
O G1 ouviu dois advogados, Omar Kaminski e Fernanda Pascale, especialistas em direito de informática. Kaminski comenta que “não há legislação específica” e decisões já tomadas pelos tribunais se limitam a casos envolvendo internet banking ou cartões de crédito, não havendo um caso envolvendo o Bitcoin para citar. Até o momento, não há maneira de trocar BTCs diretamente por reais.
No entanto, os dois especialistas concordam que, se duas partes resolvem aceitar o Bitcoin, trata-se de uma relação contratual. “Se as partes envolvidas concordam que determinado produto ou serviço será pago por meio de Bitcoins e não em moeda corrente, trata-se de um contrato entre elas, com plena validade legal”, afirma Pascale, que é sócia de Leonardi Advogados.
Pascale destaca que o Bitcoin pode ser útil para pessoas em países totalitários que precisam de privacidade e observa que há usos potenciais de abuso para o Bitcoin, como o caso da venda de drogas no Silk Road. “Mas isso também ocorre com dinheiro em espécie, cujo uso ninguém, felizmente, pensou em proibir apenas porque pode ser utilizado para atividades ilegais”, complementa.
Uma questão essencial do Bitcoin, apontam os advogados, é a falta do “lastro governamental”, ou seja, a garantia para ser aceito no pagamento de dívidas. “Ele tem valor até deixar de ter valor”, resume Kaminski. Para ter esse valor, é preciso achar organizações dispostas a trocar BTCs por outras moedas, ou haver uma ampla gama de serviços e produtos à venda em Bitcoins.
“A conversão de Bitcoins em dinheiro real implica na utilização de "corretores" estrangeiros, cuja reputação ainda é desconhecida”, adverte Pascale, que fala ainda de mais um problema para quem se sentir lesado em uma negociação com Bitcoins: “os tribunais terão grande dificuldade em compreender o conceito de uma moeda criptográfica”.
*Altieres Rohr é especialista em segurança de computadores e, nesta coluna, vai responder dúvidas, explicar conceitos e dar dicas e esclarecimentos sobre antivírus, firewalls, crimes virtuais, proteção de dados e outros. Ele criou e edita o Linha Defensiva, site e fórum de segurança que oferece um serviço gratuito de remoção de pragas digitais, entre outras atividades. Na coluna “Segurança digital”, o especialista também vai tirar dúvidas deixadas pelos leitores na seção de comentários. Acompanhe também o Twitter da coluna, na páginahttp://twitter.com/g1seguranca.
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